A descentralização do saneamento

A descentralização do saneamento

Por Felipe Gregório*

saneamento no Brasil é básico. O jogo de palavras comumente ouvido nas rodas de conversa sobre o setor reflete a realidade de um país que esqueceu de se preocupar com o, permita-me a redundância, básico.

Números oficiais apontam 35 milhões de habitantes sem acesso à água encanada em casa e mais de 100 milhões de pessoas sem esgoto coletado no país.

A temática, e suas dores, que ficaram em pauta no início de 2020, data que coincide com a chegada da COVID-19 no Brasil, evidenciou ainda mais a preocupação com questões ligadas diretamente à saúde da população.

Com aprovação da Lei nº 14.026/2020, atualizou-se o chamado Marco Legal do Saneamento Básico, que tem como metas garantir que 99% da população tenha acesso à água potável e 90% à coleta e tratamento de esgoto até 2033.

Não falta água, falta acesso

Em um país de dimensões continentais e com histórico de desvio de recursos no mínimo duvidoso, levar redes de coleta e tratamento para quase toda a população tem sido mais um desafio no que tange a transparência das superfaturadas obras enterradas e, consequentemente que ninguém vê, de infraestrutura básica.

Moradores de Congós (AP) recebem saneamento básico da Florescer Brasil

Fotos: Florescer Brasil/Divulgação

Somam-se a isso números que quase não chegam ao conhecimento público, como os mais de 60 mil boletins de ocorrência registrados nos últimos cinco anos por conta de disputas pela água – média de pelo menos 30 ocorrências diárias.

Água esta que apesar de abundante em nosso território, uma vez que o Brasil detém a maior reserva de água doce do mundo, com 12% do volume total, vem sofrendo cada vez mais com ações irresponsáveis do próprio ser humano, sobretudo na descarga de contaminantes em corpos hídricos.

Assim, a recarga de lençóis freáticos, fonte de água doce para muitas famílias brasileiras, vem sendo a cada dia mais comprometida. Estima-se que aproximadamente 70% da água do país seja destinada para atividades agrícolas, sejam elas de subsistência ou para engordar, no caso hidratar, o “pop” agro.

Parte importante dessa recarga é proveniente de efluentes de esgotamento sanitário e, para ajudar a sanar este problema, o uso de tecnologias sociais para o tratamento de esgoto descentralizado vem sendo pluralizado no país.

Na prática

Entende-se aqui por descentralizado: tecnologias que não absorvem volumes provenientes de várias casas ou bairros ou, ainda, não conectadas às redes coletoras.

É neste cenário que empresas também sociais como a Florescer Brasil vem contribuindo. Há mais de três anos atuando no setor e presente em 12 estados, a Florescer já doou e instalou mais de 200 unidades sanitárias individuais.

As USI’s, como são conhecidas, contribuem efetivamente para que o volume do efluente tratado seja retornado à natureza livre de contaminantes.

Foi o que se viu por exemplo em Coité, distrito de Mauriti, cidade há cerca de 90 km de Juazeiro do Norte (CE). Lá, com apoio do Magazine Luiza e da Caloi, a Florescer doou 15 unidades de tratamento para famílias dos vilarejos que são assistidos pela ONG Amigos do Bem.

Florescer leva esgotamento sanitário para família de vilarejos de Coité (CE)

Fotos: Florescer Brasil/Divulgação

Já no Pico do Jaraguá (SP), seis núcleos de aldeias indígenas de etnia Guarani recebem regularmente as USI’s para tratamento adequado de seu esgoto. Ao todo, o projeto de reestruturação sanitária que a empresa social desempenha na região visa implantar 45 unidades, das quais 7 já se encontram in loco.

E não são apenas áreas remotas que recebem a tecnologia. No recém-inaugurado Parque Linear Bruno Covas, 11 unidades dos equipamentos foram encomendadas para o tratamento descentralizado, das quais 3 já foram instaladas.

No local, inacessível para a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), a tecnologia provou ser funcional não apenas em áreas remotas. descentralização do saneamento trouxe versatilidade e esperança para nossa população.

Texto publicado originalmente na Folha de S.Paulo.

*Arquiteto, urbanista, ambientalista e fundador da Florescer Brasil.