Violência e as veias abertas da Amazônia

Violência e as veias abertas da Amazônia

“Aqui fica somente a lembrança de um triste passado de dor, sofrimento e morte. Desculpem, eu estava sonhando quando escrevi esses acontecimentos que eu mesmo não verei”, trecho da carta para jovens do futuro, de Chico Mendes, ambientalista, seringueiro, símbolo da luta pela preservação da Amazônia e vítima da violência na região.

Já sabemos que a Amazônia está sob ataque constante, mas existe um fato pouco comentado: as vidas das pessoas que moram lá e que lutam pela preservação do local também são alvos desse projeto de degradação.

A região – que em boa parte é habitada e protegida pelos povos indígenas, indigenistas, ribeirinhos, ambientalistas e comunicadores – também é alvo de disputa do agronegócio e mineradores. Esse conflito violento e silencioso mancha nossa história e nosso território de sangue.

“A questão do território foi e sempre será uma grande questão para os conflitos da Amazônia. A regularização fundiária é um instrumento essencial se a gente quiser falar de redução de conflitos. Por isso, hoje ainda vivemos esse recorde de assassinatos de trabalhadores e lideranças”, disse Ângela Mendes, filha de Chico Mendes e militante socioambiental, durante a gravação do nosso podcast “Planeta CIVI-CO”.

Ouça o Planeta CIVI-CO #13 com Ângela Mendes.

Violência em números  

O Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) publicou no dia 28 de julho o Anuário de Segurança Pública, com o ranking das 30 cidades mais violentas do país. Dessas, dez estão na Região Norte.

O anuário também ressalta que, dentre as cidades brasileiras mais violentas, 13 estão na chamada Amazônia Legal, que inclui os seguintes estados: Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins e parte do Maranhão.

Destas as cidades da Amazônia Legal, 11 são rurais, com pequenas populações que sofrem com a violência letal há pelo menos três anos seguidos (2019-2021), quando os índices do relatório foram calculados. Jacareacanga, no Pará, é o segundo município mais violento do país, atrás apenas de São João do Jaguaribe, no Ceará.

Como no caso dos homicídios do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips, a região tem sofrido com um aumento na violência por grupos criminosos que desenvolvem atividades ilegais na região. Em relação ao resto do país, a taxa de violência letal na região é 38% superior, mostrando como ela se tornou endêmica na região.

De acordo com o FBSP, no ano de 2021, enquanto todas as demais regiões do país apresentaram queda, mesmo que tímida, do registro de mortes violentas, a área composta por estados que integram a Amazônia Legal segue na contramão do resto do país, com crescimento de 7,9% da taxa de Mortes Violentas Intencionais.

Nas cidades com população urbana com mais de 50 mil habitantes, a violência letal na Amazônia é 47,9% superior à média nacional em relação aos municípios com essa mesma população.

Violência institucionalizada  

Além dessa forma de violência explícita, a população dessa região sofre com outras formas de impacto negativo. Muitos desses males acontecem por conta do descaso do poder público nessas localidades. Os habitantes dessas regiões enfrentam problemas como falta de acesso à saúde, transporte, segurança pública e educação.

“Muitas crianças morreram e ainda morrem por falta de acesso, existem comunidades muito distantes que não conseguem ter um acesso fácil para atendimento de saúde”, disse Ângela Mendes.

Além disso, algumas propostas e leis, na maioria sugeridas pela bancada ruralista, acabam piorando a qualidade de vida dessas comunidades e colocando em risco todo o ecossistema dessas áreas de preservação.

Um exemplo é a PL 191, que propõe permitir a mineração em terras indígenas e também o Marco Temporal, uma tese jurídica que defende uma alteração na política de demarcação de terras indígenas no Brasil.

Violência judicial 

Mesmo em uma realidade comprovada por dados, muitas vidas inocentes ainda não são respeitadas e se tornam apenas números e estatísticas, já que a justiça na região também é lenta e pouco efetiva.

A organização não governamental Human Rights Watch (Observatório dos Direitos Humanos, na tradução em português) denunciou em debate na Câmara a morte de mais de 300 defensores da Amazônia e dos povos indígenas nos últimos dez anos.

Desses casos, apenas 14 foram julgados. Dos 28 assassinatos examinados mais detidamente pela Human Rights Watch, apenas dois foram julgados. E dos mais de 40 casos de ameaças, nenhum foi a julgamento.