Passou da hora de controlar o garimpo na Amazônia

Passou da hora de controlar o garimpo na Amazônia

Por Larissa Rodrigues*

Em janeiro, o Presidente Lula cancelou o Decreto 10.966/2022, do governo Bolsonaro, que criava um programa para incentivar os garimpos. O cancelamento foi uma correção importante do presidente Lula. Mas, ainda falta cancelar o que, de fato, aumentará a garimpagem na Amazônia: a 6ª rodada de disponibilidade de áreas lançada pela Agência Nacional de Mineração (ANM) em setembro de 2022. Mais do que um programa de incentivos, a rodada é uma medida concreta, pois autorizará novos garimpos.

A rodada ofereceu 420 áreas para permissões de lavra garimpeira – que é a autorização para o funcionamento dos garimpos. As áreas somam quase 1 milhão de hectares e estão predominantemente na Amazônia, em locais sabidamente problemáticos em termos de ilegalidades nas operações e proximidade com Terras Indígenas e Unidades de Conservação, como, por exemplo, a região de Itaituba, no Pará.

Das áreas oferecidas, 243 apresentaram interessados. No último dia 8 de março, o resultado foi homologado e os interessados puderam solicitar sua permissão de lavra para a agência. Mas, o verdadeiro resultado dessa rodada, será o aumento dos problemas associados à atividade garimpeira e que ficaram demonstrados com a tragédia humanitária do povo Yanomami.

Hoje, a ANM não consegue garantir a fiscalização nem mesmo das áreas já autorizadas por ela. Muitas áreas são utilizadas para a fraude da “lavagem de ouro”, servindo para registrar o metal extraído ilegalmente das Terras Indígenas para que ele ganhe uma aparência de legalidade. Em outras áreas autorizadas a extração mineral acontece para além dos limites geográficos permitidos. Dados do Instituto Escolhas confirmam isso e mostram que do ouro vendido pelos garimpos para as empresas do sistema financeiro que podem comprá-lo, cerca de 90% possui indícios de ilegalidade. Hoje, dar novas autorizações para os garimpos significa aumentar o espaço para essas irregularidades.

Além disso, no estado do Pará, sob o governo de Helder Barbalho, o licenciamento ambiental para garimpos passou a ser municipal. Isso aconteceu apesar dos impactos ambientais irem muito além da região dos municípios e do fato de que, como já divulgado pela mídia, prefeitos são incentivadores da garimpagem, o que inviabiliza o processo de licenciamento e a fiscalização. Para completar, lá atrás, em 2013, a Lei 12.844 criou um sistema de “boa-fé” para o comércio de ouro entre garimpos e empresas do sistema financeiro. Com ele, as empresas ficam protegidas, pois presume-se que suas operações são feitas de “boa-fé”, independentemente de onde veio o ouro.

Essa falta de controles incentiva a atuação de organizações criminosas e o crescimento vertiginoso das áreas de garimpo. Dados do MapBiomas mostram que a área dedicada aos garimpos na Amazônia já é maior do que toda a área dedicada à mineração industrial no país. E dentro de Terras Indígenas, onde a mineração é ilegal, a área dos garimpos dobrou entre 2018 e 2021.

Apesar do regime de permissão de lavra garimpeira ter sido concebido para operações rudimentares, em pequena escala, e, por isso, com condições de outorga facilitadas, isso não é o que ocorre na prática. Hoje, os garimpos contam com maquinário, logística e organização industrial e possuem conexões com empresas em todos os elos da cadeia, inclusive no exterior.

Gerando riqueza apenas para alguns poucos, a garimpagem tem deixado um rastro de danos humanitários, ambientais e econômicos. As operações ocorrem sem estimativas do potencial mineral ou planos de aproveitamento econômico, sem garantias ambientais e sociais e marcadas pela invasão de áreas proibidas, como o território Yanomami. Para os minerais, que são bens da União, é imprescindível um plano de aproveitamento que beneficie o país e a sociedade, para que os ganhos da atividade superem suas perdas, que, no momento, são muitas e graves. Ao permitir a expansão dos garimpos, o país tem chancelado a escolha de explorar recursos minerais valiosos, como o ouro e a cassiterita, de modo pouco eficiente, tanto ambiental como economicamente. E cabe ao Ministério de Minas e Energia e à ANM organizar o setor considerando o interesse público.

A realização da rodada pela ANM apenas confirma que o país não tem um plano coerente para o aproveitamento dos recursos minerais. Disponibilizando novas áreas para garimpos, sem controles e sem fiscalização, os esforços do governo para retirar os garimpeiros da Terra Indígena Yanomami, e de outros locais, não serão exitosos. A atividade ilegal deverá permanecer vantajosa e os invasores devem logo voltar.

Diante da preocupante ocupação garimpeira na Amazônia, que opera em escala industrial, dos danos ambientais, sociais e econômicos, da ilegalidade e das dificuldades de fiscalização, é imprescindível que a ANM cancele a rodada e controle o setor, fazendo jus ao seu nome. Caso contrário, restará a pergunta se o que temos é uma agência que regula as atividades minerais ou simplesmente incentiva a garimpagem.

Texto publicado originalmente no Jornal O Globo

*Pesquisadora e Gerente de Portfólio do Instituto Escolhas.