O limite da liberdade de expressão

O limite da liberdade de expressão

Nossas palavras, comentários e nossas opiniões são reflexos de construções sociais. Noam Chomsky diz que “a linguagem determina não apenas nosso pensamento, mas também a própria realidade”. Assim podemos analisar como o homem é o maior fruto do seu tempo

Todos os dias casos de intolerância ganham repercussão nas mídias, principalmente aqueles relacionados às opiniões ofensivas, discriminatórias e até mesmo às fake news (notícias falsas), que se tornaram comuns na nossa sociedade. 

Muitas dessas inverdades repercutidas são classificadas erroneamente como casos de liberdade de expressão. Situações que podem parecer inofensivas muitas vezes são extremamente perigosas, pois tocam em temas sensíveis e criam gatilhos de pânico e medo coletivo, principalmente em grupos de minorias sociais que sofrem opressões estruturais. 

Quem tem direito de se expressar?

A liberdade de expressão é plena e assegurada pela Declaração Universal dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU)documento que garante direitos e liberdades fundamentais para todos.

No Artigo 19°, o texto da Declaração afirma que:

“Todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber e difundir, sem consideração de fronteiras, informações e ideias por qualquer meio de expressão.”

Porém, como conseguimos assegurar esse direito para grupos sociais que estão lutando diariamente pelo básico, a sua existência? Por conta disso, a liberdade de expressão acaba sendo monopolizada por grupos dominantes

A garantia do livre direito de se expressar é algo que, na prática, se tornou inalcançável. Além disso, por diversas vezes é uma premissa para propagar os ideais e pensamentos de senso comum de classes privilegiadas que têm fácil acesso às tecnologias e meios de comunicação.  

Onde está a liberdade no Brasil? 

De 2015 para cá, o Brasil deixou de ter um dos melhores índices de liberdade de expressão do planeta. Hoje, ocupamos o 86° lugar entre 161 países analisados pelo estudo realizado pela ONG Artigo 19. 

Sendo assim, somos a nação latino-americana que mais retrocedeu em termos de liberdade de expressão nos últimos dez anos.Nas Américas, o Brasil só está à frente de países como Venezuela, Nicarágua e Cuba, que não possuem transparência na divulgação dos dados.

Uma das maneiras de medir se o direito à liberdade de expressão está sendo respeitado nos países é por meio do Relatório Global de Expressão, uma publicação anual realizada pela ONG Artigo 19.

Em sua edição mais recente, publicada em 2020, o estudo confirmou uma realidade que já vinha aparecendo nos últimos anos: o Brasil deixou de ter um dos melhores índices da pesquisa para se tornar um país com a sua democracia em crise.

Ultrapassando a linha 

Por outro lado, o discurso de ódio está ganhando cada vez mais espaço, não somente nas “mídias livres”, mas até nas “mídias tradicionais”. Recentemente, grandes veículos de comunicação como o jornal Folha de São Paulo e a rádio Jovem Pan publicaram discursos de ódio explícitos em suas colunas de opinião.

A internet é o maior disseminador de ruídos de comunicação quando falamos de meios independentes de comunicação. A possibilidade de noticiar de forma horizontal e participativa facilitou a democratização da informação. Em contrapartida, ela deu voz para grupos com ideias e discursos criminosos. 

Um bom exemplo é o recente caso do apresentador Monark, que foi demitido do podcast “Flow” após defender a existência de um partido nazista durante uma gravação ao vivo do programa, o que é proibido pela  Lei do Racismo (nº 7.716/89) estabelece que é crime no Brasil

 “fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo”.

Na gravação do episódio, onde também estavam presentes os deputados federais Kim Kataguiri (DEM-SP) e Tabata Amaral (PSB), Monark defendeu: 

“A esquerda radical tem muito mais espaço do que a direita radical, na minha opinião. As duas tinham que ter espaço. Eu sou mais louco que todos vocês. Eu acho que o nazista tinha que ter o partido nazista reconhecido pela lei”.

De acordo com o estudo realizado por cientistas do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), as informações falsas ganham espaço na internet de forma mais rápida, profunda e com mais abrangência que as verdadeiras. 

Cada postagem verdadeira atinge, em média, mil pessoas, enquanto as postagens falsas mais populares – aquelas que estão entre o 1% mais replicado – atingem até 100 mil pessoas.

A falsa liberdade de expressão 

As fake news também se tornaram uma grande vilã neste cenário e contribuíram para a queda do Brasil no ranking de liberdade de expressão, assim como os ataques agressivos que deslegitimam o trabalho dos jornalistas e os comentários discriminatórios contra minorias.

Em uma nota de 0 a 100, a pontuação do Brasil registrada no último relatório divulgado em 2020 foi de 52. Este é o nosso pior resultado desde 2010, quando a medição começou a ser feita. 

Aprendendo com os erros 

Alemanha e outros países europeus, embora abracem a liberdade de expressão como direito fundamental, fixam limites de conteúdo ao seu exercício. 

Eles vedam, por exemplo, a manifestação de ideias que defendam a inexistência do massacre de judeus durante a 2ª Guerra Mundial (negação do Holocausto), uma vez que tal tese colide com a dignidade de grupos raciais e religiosos e com a própria ideia de convivência pacífica entre os cidadãos. 

Falar sobre liberdade é garantir que todos estejam seguros para fazer escolhas. Porém, sua “liberdade” não deve tirar jamais a segurança do outro. A sua independência nunca pode ser construída sobre a insegurança e o medo do outro, porque, assim, ninguém nunca será livre.