14 set Mulheres, Talibã e o Totalitarismo
O grupo extremista assumiu o comando do país em meados de agosto, após 20 anos fora do poder por conta do domínio norte-americano, e anunciou que formará um novo governo ao conseguir o controle total do território afegão.
Essa nova liderança ligou o alerta da população que é contrária ao grupo. Principalmente daqueles que estão em situação de risco, como é o caso das mulheres, que conquistaram direitos importantes no período de permanência das tropas dos EUA.
As mulheres foram proibidas de trabalhar durante o primeiro controle do Talibã em 2001. Depois que os radicais islâmicos foram retirados do poder, as mulheres puderam frequentar universidades, ir ao trabalho e até dirigir. No início de 2021, as mulheres ocuparam 27% das cadeiras no Parlamento Nacional.
Foi no começo deste ano também, quando o Talibã, o governo afegão e os EUA iniciaram negociações de paz, que algumas mulheres exercendo suas profissões sofreram ameaças e ataques, incluindo o assassinato de três jornalistas em março.
O depoimento emocionante de Zarifa Ghafari, primeira prefeita eleita do Afeganistão (na cidade de Maidan Shahr), chamou a atenção do mundo para o retrocesso enfrentado pelas mulheres no país.
“Não tem ninguém que possa ajudar a mim ou minha família. Estou aqui sentada com minha família e meu marido. E eles vão vir atrás de pessoas como eu e me matarão. Não posso deixar minha família. Mas, para onde eu iria?”, contou Zarifa ao site britânico iNEWS.
No último dia 04 de setembro, combatentes do Talibã interromperam com o uso da força bruta uma manifestação de mulheres na cidade de Cabul. Elas protestavam pela manutenção dos direitos depois que o grupo extremista tomou o Afeganistão.
As mulheres presentes relataram que integrantes do Talibã as dispersaram com gás lacrimogêneo e spray de pimenta, enquanto caminhavam de uma ponte até o palácio presidencial.
Números de uma guerra interminável
O Instituto Watson de Assuntos Internacionais e Públicos, da Universidade Brown (EUA), divulgou um relatório sobre a guerra ao terror dos Estados Unidos. A publicação contabilizou o número de mortes entre 480 mil e 507 mil, mas estima-se que esse dado seja provavelmente maior.
O relatório também indica que entre 182 mil e 204 mil civis morreram no Iraque, 38 mil no Afeganistão e 23 mil no Paquistão. Cerca de 7 mil americanos morreram no Iraque e no Afeganistão.
A guerra consumiu mais de 2 trilhões de dólares (ou 300 milhões por dia) e tirou a vida de 69 mil soldados afegãos, 48 mil civis e 51 mil combatentes extremistas.
Uma amarga derrota para a humanidade
A retirada das tropas norte-americanas decretam o final de uma era no Oriente Médio. Após quase duas décadas de intervencionismo, tentando combater principalmente os grupos terroristas na região. Este período histórico resultou na captura e morte de dois grandes líderes: Osama Bin Laden e Saddam Hussein.
Porém, a imediata retomada do Talibã, mostra que as propostas de democratizar e libertar essas nações não foram alcançadas. O militarismo americano assegurou alguns direitos básicos enquanto esteve presente, mas os grupos extremistas mostraram que, mesmo dispersos, conseguiram ter uma organização imposta pela força, combatendo e dominando seus opositores.
Retomando o pensamento de Arendt, mulher judia que fugiu do holocausto, ela descreve o totalitarismo como um governo sustentado, explicitamente, pelo extermínio de setores da população e não apenas na sua opressão ou instrumentalização.
Esse padrão dos governos totalitários não diz respeito apenas à exclusão sócio-política, nem à eliminação do opositor ou inimigo, mas a atualização da lógica da descartabilidade humana inerente a essas formas de governo. Comprovamos isso com a atual situação das mulheres afegãs, que estão sendo totalmente descartadas e desumanizadas por esse regime.
“Pensar e estar completamente vivo são a mesma coisa, e isto implica que o pensamento tem sempre que começar de novo. É uma atividade que acompanha a vida e tem a ver com conceitos como justiça, felicidade e virtude.” – Hannah Arendt, no livro “A vida do espírito: o pensar, o querer, o julgar”.
Mesmo sendo um recorte específico é possível compreender como a sociedade está se comportando diante de situações caóticas por diversos locais do planeta. Entender esses processos também é uma forma de combater fenômenos como o nazismo, as grandes guerras, a desigualdade social e o recente levante fascista.
“Estou destruída, mas não vou parar, mesmo que venham me buscar. Não tenho medo de morrer”, confidenciou Zarifa Ghafari que, mesmo sob ameaças, promete lutar por ela e por todas as mulheres afegãs, para assegurar os direitos conquistados.