ESG do jeito certo

ESG do jeito certo

Por Iara Vicente*

Os últimos anos têm gerado intenso hype em torno do termo ESG. A sigla comprime o termo Ambiental, Social e Governança (Environmental, Social & Governance, em inglês), e deveria ser um aceno do mundo corporativo às demais complexidades envolvidas no ambiente de negócios, além da dinâmica de lucro e investimento, ou perdas e ganhos financeiros, que o define.

É saudável que executivos e CEOs a nível mundial estejam dispostos a se posicionar e a integrar temas sociais, ambientais e a boa governança em seus modelos de negócios. Por outro lado, o que não é saudável é que exista a banalização, ou ultra-simplificação, de toda a complexidade social, ambiental e do debate sobre transparência e combate à corrupção. Isto é o ESG do jeito errado.

No jeito errado, vemos uma série de distorções acontecerem. A primeira delas é a consideração de que o estudo e análise de perspectivas ESG são um fim em si mesmo, ou ainda possíveis de serem dominadas em curtos períodos de tempo ao nível de especialista.

Quando falamos da letra “E” (“ambiental”), falamos de temas complexos e profundos como compensação de carbono, logística reversa, crise climática, racismo ambiental, dinâmicas e conflitos fundiários, ocupação e uso do solo, acesso e gestão de patrimônio genético, redução do desmatamento, crimes ambientais e seu papel no modelo de negócio de algumas indústrias – para citar alguns dos ângulos possíveis.

Quando falamos do “S” (“social”), estamos falando de políticas de remuneração, qualidade de vida no ambiente de trabalho, comércio justo, economia solidária, ações afirmativas, antirracismo, anticapacitismo, antissexismo, anti-LGBTQI+fobia, entre tantos outros temas.

O “G” (“governança”) traz uma densa carga vinculada à discussão de combate à corrupção, transparência em gestão, melhores práticas de automatização processual, compreendendo uma gama de assuntos que vão desde o não-crime, a não-participação em corrupção, até assuntos da ordem do dia de negócios como, a necessidade de se haver políticas e diretrizes internas para assuntos corporativos, avançando até o uso de tecnologias em WEB3 e semelhantes para trazer à luz processos de cadeias produtivas complexas.

Padrão ESG

É, portanto, crível considerar que uma pessoa alheia aos ecossistemas onde se discutem estas questões poderia dominá-los todos em um curto período de tempo? Ou que cursos de pequena duração de fato formam especialistas em tudo isto – E, S e G?  O senso comum indica que não, mas não é o que se vê nas salas de negócios país afora. É preciso que haja um tipo de “padrão ESG” para o próprio profissional ESG.

Nesta desmobilização, quem tende a ser mais afastado do debate são as populações, setores e iniciativas que não estão contempladas e/ou focadas no debate corporativo/financeiro. Para citar alguns: organizações e lideranças pertencentes ou conectados às causas de povos indígenas, população negra, movimento de mulheres, movimento LGBTQIAP+, trabalhadores do campo e da cidade, movimentos filantrópicos de base, a ciência engajada, dentre outros.

E para que os debates ESG tenham relevância, coerência e proteção reputacional no mundo real, para além do marketing corporativo, é preciso que se esteja em debate constante justamente com estes atores.

Existe ainda a questão da legitimidade. É necessário aferir se os valores, tecnologias, instituições e parâmetros são confiáveis, respeitados em seu campo de atuação, e se têm legitimidade (técnica, reputacional, política) para dialogar com os temas a que se propõem. Esta é a noção de especialidade que o campo ESG precisa construir: a compreensão de que especialidade ESG se constrói e se valida no ecossistema de impacto social, no front das causas e emergências socioambientais.

Aposte no jeito certo

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Iara Vicente, CEO da Nossa Terra Firme, no lançamento do Hub ESG do Cubo Itaú. Fotos: Nossa Terra Firme/Divulgação

Então,  como atuar no campo ESG do jeito certo? Seguindo a mesma lógica dos argumentos anteriores, o primeiro passo é a não-banalização das causas. Cada uma dessas letras (E,S e G) traz em si um compêndio de problemas complexos que precisam ser endereçados com a complexidade que merecem.

Instituições, empresas, especialistas devem conhecer bem seu campo de ação, e melhor ainda seus limites. Assim, garantimos que as contribuições dadas sejam coerentes e protegemos nossos negócios de riscos reputacionais, jurídicos e ecossistêmicos.

Alie-se a pessoas, organizações e empresas que possuam experiências profissionais, qualificações e vivências compatíveis com nível de robustez atrelada ao título de especialista. Cabe aos gerentes de setores ESG de empresas saber distinguir o tipo de expertise ESG necessária para sua indústria e buscar um olhar crítico para as qualificações necessárias para lidar com problemas de tal complexidade.

Entre a ampla gama de temas e instrumentos existentes para se realizar um bom trabalho ESG estão hard soft skills, incluindo um nível de senioridade que é construído em ambientes não convencionais (e ainda assim, insubstituíveis): beira de rios, dentro de matas, vielas de periferias, chão de ocupações, fóruns de movimentos diversos, laboratórios científicos engajados.

Do ponto de vista social, mais do que construir estratégias ESG para beneficiar populações sub-representadas ou minorizadas, é importante construir estas estratégias com estas populações. Saber consultar, ouvir, perguntar, co-desenhar e co-liderar iniciativas é fundamental para garantir o empoderamento que o stakeholder capitalism promete. O olhar apurado de especialistas que trazem em sua história de vida a experiência nestes grupos sociais também é uma contribuição relevante.

O ESG do jeito certo, da forma como acreditamos na Nossa Terra Firme Consultoria, é um ESG onde se constrói a legitimidade de agendas, propostas, coalizões e colaborações ao longo do tempo, na caminhada com quem também está a se esforçar ativamente na construção de um mundo melhor.

É por sermos “mais um” somando nas causas, há anos, que a gente se destaca. É por construí-las no dia a dia que construímos a confiança seja em nossos parceiros da base, seja em nossos parceiros corporativos. E acreditamos que, do jeito certo, o ESG pode sim ser um vetor de transformação para a vida de brasileiros e brasileiras.

*Iara Vicente é fundadora da Nossa Terra Firme