Decretos para destruir a Amazônia

Decretos para destruir a Amazônia

Por Larissa Rodrigues

Os garimpos são uma das ameaças mais graves para a Amazônia. Apesar disso, o presidente Jair Bolsonaro assinou dois decretos (10.965 e 10.966), publicados segunda-feira, trazendo facilidades para que eles se espalhem sem controle. Os decretos criaram o Programa de Apoio ao Desenvolvimento da Mineração Artesanal e em Pequena Escala (Pró-Mape)e a Comape, uma comissão interministerial para coordená-lo e viabilizá-lo.

Um dos objetivos do Pró-Mape é a “formalização da atividade”. Isso significa que os garimpos que operam ilegalmente terão um respaldo institucional para funcionar. Em vez de fiscalizar e pôr fim aos garimpos fora da lei, o governo está abrindo espaço para que se regularizem. É assim que Bolsonaro pretende acabar com a ilegalidade na Amazônia.

Para piorar, a Agência Nacional de Mineração (ANM) adotará critérios simplificados para dar as outorgas de áreas. Todos os pedidos para garimpos registrados na ANM terão de ser concedidos sem a realização das análises necessárias para um controle efetivo da atividade.

Veremos uma explosão de áreas dedicadas ao garimpo e, junto delas, um agravamento dos impactos ambientais, como desmatamento e contaminação por mercúrio, e dos terríveis episódios de violência contra os povos indígenas.

Os decretos foram escritos usando conceitos que não condizem com a realidade. O garimpo é inserido no contexto de “desenvolvimento sustentável”, mas essa atividade não é sustentável, em contexto algum. Os impactos são vistos a olho nu, e ela não traz avanços socioeconômicos. Um estudo do Instituto Escolhas confirmou que a extração de ouro e diamantes na Amazônia não melhorou os indicadores de saúde, educação e PIB per capita.

No jogo de palavras, também é reforçada a ideia do garimpo como uma “mineração artesanal e em pequena escala”. Isso não existe. A atividade é realizada de modo industrial, com maquinários caros e estruturas empresariais organizadas, que lucram bilhões de reais.

Na última semana, um novo estudo do Instituto Escolhas revelou que o Brasil comercializou, em seis anos, 229 toneladas de ouro com graves indícios de ilegalidade. Isso é quase a metade da produção nacional, e a maior parte veio da Amazônia.

Apenas cinco empresas do setor financeiro foram responsáveis por um terço dos indícios de ilegalidade, comprando ouro de garimpos na Amazônia. Elas também têm uma teia de relações empresariais e até familiares por toda a cadeia do metal, dos garimpos ao beneficiamento e à exportação, mostrando que são organizações bem estruturadas.

Os decretos de Bolsonaro confirmam que o governo federal não está interessado em coibir os sérios problemas adotando controles mais rígidos. Com eles, o volume de ouro com indícios de ilegalidade crescerá, abalando ainda mais a credibilidade do país no exterior.

Além da revogação imediata dos decretos, é preciso rever as leis do setor mineral para acabar com o garimpo. Somente assim será possível reverter o total descontrole que paira sobre essas operações. O setor precisa de controles mais rígidos e fiscalização, e é urgente a retirada das atividades de dentro de Terras Indígenas e Unidades de Conservação.

No caso do ouro, o Banco Central precisa cumprir seu papel de fiscalizar as empresas que comercializam o metal. Pode exigir o monitoramento da origem do ouro. Isso já é objeto do Projeto de Lei 836/2021, do Senado, que precisa ser aprovado.

Também é necessário acabar com a boa-fé na comercialização de ouro de garimpos. Hoje, a lei ainda exime os envolvidos da responsabilidade, presumindo boa-fé nas transações, mas, infelizmente, não podemos depender da boa intenção dos que lucram com a destruição da Amazônia.

*Gerente de portfólio do Instituto Escolhas

Texto publicado originalmente no O Globo em 17/02/2022.