Cannabis Medicinal: cuidar da saúde não pode ser considerado um crime

Cannabis Medicinal: cuidar da saúde não pode ser considerado um crime

Conversamos com Cida Carvalho, presidente da Associação Cultive, sobre os impactos de uma decisão judicial inédita, que reconhece o direito da associação ao plantio da cannabis para fins terapêuticos.

 

Em 2013, Cida Carvalho, ou Cidinha, como é conhecida, se viu em um dilema no qual nenhuma mãe gostaria de estar: encontrou o medicamento que poderia dar à sua filha, portadora de Síndrome de Dravet, melhor qualidade de vida, mas pelo fato deste medicamento ser à base de cannabis, se optasse por importá-lo, estaria agindo na ilegalidade de acordo com as leis brasileiras.

 

Com o propósito de compartilhar o que havia descoberto com outras famílias que também estavam na busca por cura e alívio para os seus filhos, Cidinha criou a página Síndrome de Dravet Brasil, no Facebook. Foi daí que surgiu a Cultive, associação que hoje é residente CIVI-CO e que nasceu com a missão disseminar os benefícios terapêuticos da Cannabis e ampliar o acesso para aqueles que podem se beneficiar da planta para o tratamento de doenças.

 

Da dir. para a esq. Cida, a filha Clárian e Fábio, seu marido. O casal cultiva cannabis em sua casa, na Zona Leste, de São Paulo.

Devido à falta de informação acessível por causa do tabu social em abordar o tema, o trabalho educativo e informativo da Cultive ajuda pacientes a garantirem o direito ao tratamento com a planta ou de seus produtos derivados.

 

Este trabalho é fundamental para romper com preconceitos e também apoiar aqueles que ainda estão em busca de autorização para o tratamento. Após a descoberta da planta como remédio, a família normalmente se vê em uma longa e morosa saga para conseguir autorização legal para cuidar de sua saúde.

 

No Brasil, a cada ano, o número de pacientes com este tipo de demanda só cresce. De acordo com a Anvisa, desde 2015 até o 1º semestre de 2020, 18.358 pacientes já acumulam um total de 24.941 autorizações para importação de produtos à base da cannabis.

 

No último mês, sete anos depois do primeiro contato de Cidinha com o tema, a Cultive obteve uma conquista fundamental para a causa: a primeira ordem de Habeas Corpus coletivo do país. A decisão inédita na justiça criminal de São Paulo reconheceu o direito da Cultive de plantar cannabis para seus associados.

 

Conversamos com Cidinha sobre a importância dessa conquista para os milhares de pacientes que buscam tratamento para doenças de difícil controle, como as epilepsias e síndromes epilépticas, doenças do sistema nervoso, mas tratáveis com derivados de cannabis.

 

CIVI-CO: Qual é a importância desta decisão jurídica para as demais associações e iniciativas que lutam pelo direito do plantio da cannabis para fins medicinais?

Cidinha: O poder Judiciário manda um recado muito direto para as autoridades (executivo e legislativo): Cuidar da saúde não pode ser considerado crime! Serve como precedente Jurídico, ágil e que impede a má vontade do Estado, por meio de recursos abusivos, a cumprir sua função. Anteriormente, existiam apenas Habeas Corpus (HC) individuais. Agora, de forma organizada, os pacientes associados poderão cuidar da saúde sem serem criminalizados e sem terem seu tratamento interrompido por ação policial.

Esta decisão pode trazer mais celeridade aos processos dos pacientes que ainda estão em busca da autorização?

Uma ação Civil leva anos e permite uma série de recursos de caráter procrastinatório. A decisão que tivemos a nosso favor, no âmbito criminal, deixa bem claro que cuidar da saúde jamais pode ser crime. Até porque a lei de drogas proíbe o uso de drogas exatamente para proteger a saúde, logo é uma aberração criminalizar pessoas que cultivam uma planta para cuidar da saúde.

A Cultive tem uma estimativa de quantas famílias e/ou pacientes serão impactados com essa decisão?

São 21 pacientes já com acesso imediato Os demais pacientes, conforme os relatórios forem sendo apresentados ao Juízo, serão incluídos. Desta forma, a Cultive já pode fornecer remédio para esses 21 pacientes.

Os pacientes que já têm HC individual também serão beneficiados com a decisão?

Todos os pacientes da Cultive com HC individual poderão receber mudas e sementes. É uma reação em cadeia. Cada paciente que entrar na associação será incluído. O acesso ao tratamento vai crescendo de forma exponencial. Hoje a cultive tem quase 200 pacientes. Na ocasião da promoção da ação apenas esses 21 estavam com a documentação (receita médica, exames, relatórios médicos atualizados, autorização da Anvisa dentro da validade) rigorosamente em dia. Os demais pacientes estão com a incumbência de colocarem seus documentos atualizados para que sejam incluídos o mais rápido possível.

 

“O impacto desta conquista não alcança ‘apenas’ os associados amparados pelo HC coletivo, mas a todas as pessoas que lutam por direitos à saúde. A partir deste precedente, vai haver uma massificação de casos. Para termos um exemplo, há um ano existiam apenas setenta Habeas Corpus no Brasil, hoje já são mais de trezentos.”

Qual é o próximo passo da Cultive em relação às ações que visam a acessibilidade ao tratamento com cannabis?

Seguimos com o mesmo trabalho, que é a disseminação de informação sobre todos os temas que envolvem a cannabis, a promoção da autonomia dos pacientes e o atendimento às famílias. Porém, agora é o momento de ampliar e estruturar a Cultive para atender pacientes que nos procuram, seja orientando, apoiando ou proporcionando o tratamento.

 

Além desta decisão judicial, o que mais é necessário para a permanência e sustentabilidade do trabalho da Cultive?

A velocidade e a massificação dos usos da cannabis dependerá principalmente da nossa capacidade de angariar apoio financeiro para atender a todos ao menor custo, ou até mesmo gratuitamente, que é nosso sonho. Que a nossa sustentabilidade não dependa do dinheiro de pessoas doentes e que todos tenham direito ao acesso ao remédio. Seja cultivando em suas casas ou utilizando a produção coletiva e sustentável.