Calcinha menstrual biodegradável: de olho na lavagem verde

Calcinha menstrual biodegradável: de olho na lavagem verde

Por Herself

Faça um exercício: observe o objeto mais próximo de você. Pode ser um copo, uma garrafa ou uma peça de roupa. Agora imagine que esse produto é “biodegradável”. É provável que você associe isso a algo positivo, ecologicamente correto, sustentável, certo?

Mas que tal se perguntar: como essa peça vai de fato se degradar? Ela vai chegar em um aterro sanitário ou em um lixão? Quais condições ela terá para isso? Por que consumir esse produto me proporciona um “alívio” em relação à sustentabilidade?

Bom, talvez você não saiba muito bem como responder essas perguntas. E tudo bem. Mas precisamos assumir: estamos longe de mensurar os impactos do que consumimos ou entender que o tema da sustentabilidade é mais complexo do que pensamos. Já que os objetos saírem de nossa vista, mesmo tendo um “título de sustentabilidade”, nos garante pouca coisa.

Então vem entender um pouco mais sobre o assunto e por quê não aderimos aos tecidos biodegradáveis em nossas calcinhas e biquínis menstruais 🙂

O que são biodegradáveis?

A biodegradação é o processo de desintegração de uma matéria por microrganismos.

Quando falamos sobre peças de vestuário, tecidos sintéticos não se decompõem porque os microrganismos carecem de enzimas para realizar a decomposição. No caso de tecidos naturais, como algodão e lã, em que a origem da matéria-prima é natural vegetal ou natural animal, as peças se decompõem de forma mais simples. 

Só que isso ocorre apenas em condições adequadas: o oxigênio é essencial para a degradação. Em aterros sanitários esse processo não acontece. Aliás, já confere aqui a entrevista da Marina Colerato, editora do Modefica, para o Menos 1 Lixo, explicando essa diferença.

Por outro lado, há uma nova tecnologia em relação à biodegradabilidade. Um fio de poliamida – fio sintético – que possui componentes químicos que aceleram a degradação daquele tecido, feito especialmente para as condições do aterro sanitário.

No entanto, o tema do impacto de tecidos é muuuito mais complicado do que imaginamos. Para que uma roupa realmente se degrade, existem vários fatores, como ela não ser composta com outro tipo de tecido, por exemplo.

Para as pesquisadoras Kate Fletcher e Lynda Grose no livro “Moda & Sustentabilidade: Design para mudança” (2011) existem vários desafios para fibras biodegradáveis:

  • A criação de peças de vestuário totalmente biodegradáveis, em que todas as fibras e partes componentes decompõem-se de forma completa e segura;
  • O desenvolvimento de infraestrutura adequada para para coletar e processar fibras degradáveis por compostagem;
  • A disponibilização de informações mais precisas e a identificação das fibras biodegradáveis, especificando métodos de compostagem e diferenças em relação à sintéticos não degradáveis e degradáveis derivados de petróleo.

Ufa, muitas questões, não é mesmo?

Aterro sanitário x Lixão

Falando em aterros sanitários, é necessário distinguir a diferença entre aterro e lixão. Os lixões são espaços ilegais que foram tomados por resíduos. Nesses lugares, não há nenhum tratamento do lixo, o que gera danos ao meio ambiente e à saúde pública. Os aterros, por sua vez, são espaços projetados para receber o lixo que não pode ser reciclado. É distante de rios, mares ou de habitação, separam os resíduos do solo e controlam a emissão de gases de efeito estufa.

Desde 2014, com a Lei Federal (12.305/2010) da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), todo município precisa garantir aterros sanitários para gerir os resíduos da sua cidade. No entanto, mais da metade das cidades brasileiras ainda destinam incorretamente seus resíduos para lixões, por falta de estrutura ou orçamento para destiná-los corretamente. 

Sendo assim, projetar roupas com tecidos que vão se “degradar” no ambiente – como uma “calcinha menstrual biodegradável” – não garante que a roupa de fato vai chegar no espaço apropriado. E, ainda, transfere a responsabilidade somente para o consumidor, num país que ainda tem sérios problemas em gerir seus resíduos.

De olho na lavagem verde

Além disso, precisamos falar sobre a “lavagem verde” (greenwashing, em inglês). Uma prática comum, onde empresas vendem um discurso socioambiental que não condiz com a realidade para obter mais lucro.

No cenário de colapso climático em que vivemos, é normal buscarmos pequenas ações para “fazer a nossa parte”, né? Apesar disso, não podemos acreditar que uma única solução – como um produto – resolva uma questão pública tão abrangente. 

Por isso, nossa dica é: fique atenta(o) aos discursos rasos e a quem promete soluções fáceis para problemas complexos. 

Aqui dentro queremos que cada pessoa da nossa rede veja a situação de forma transparente: fazemos muito para mudar a realidade, mas nunca seremos a marca mais sustentável. Na verdade, nos comprometemos como negócio de impacto a gerar mais possibilidades e acesso a todas as pessoas menstruantes. Esse é o nosso maior comprometimento. 

Aliás, vem aqui entender melhor nossas ações rumo à sustentabilidade. Promover dignidade menstrual para alcançar equidade de gênero, ter uma equipe diversa e estimular a diminuição de descartáveis são pontos chaves para essa discussão.

Qual a melhor solução para o descarte das nossas calcinhas, então?

Assumindo que não salvaremos o mundo, nos propomos a estudar, pesquisar e ter participação ativa para uma solução adequada para o fim de vida útil das nossas peças.

Em abril de 2019, participamos do movimento global Fashion Revolution, num bate papo sobre o destino de peças íntimas no Brasil. A falta de uma solução efetiva é geral, já que não existe uma reciclagem de têxteis hoje no país.

Desde então, passamos a investir na educação. Nossas calcinhas menstruais podem durar por longos anos. Depois do período para a menstruação, ela ainda pode ser uma peça do dia a dia. Arriscamos dizer que ela pode te acompanhar cerca de uns 5 anos, viu?

Além do mais, estamos numa fase de pesquisa para um novo projeto – recolher os nossos produtos para testar a reciclagem ou o desmanche para uma nova vida útil, dentro de uma lógica de economia circular.

Essa ação está alinhada com a Política Nacional de Resíduos Sólidos que falamos ali em cima, que prevê que toda entidade pública ou privada precisa se responsabilizar pelo que coloca no mundo

Quer conversar com a gente sobre o assunto ou mesmo participar do desenvolvimento de soluções? Compartilha aqui com a gente! 🙂

Texto originalmente publicado no Blog da Herself.