Cadê a neve que estava aqui? Olimpíadas de Inverno e sustentabilidade

Cadê a neve que estava aqui? Olimpíadas de Inverno e sustentabilidade

Para o dicionário Michaelis, a definição da palavra extinção é: “desaparecimento total de uma espécie viva”. Porém, as mudanças climáticas causadas pelo aquecimento global têm ampliado este conceito. Além de seres vivos, ecossistemas inteiros estão entrando em extinção e um exemplo atual disso é a neve. 

Isso mesmo, a produção de neve do planeta em centros populacionais está sendo afetada. Podemos comprovar isso através dos Jogos Olímpicos de Inverno, que estão acontecendo em Pequim, na China.  

Uma pesquisa realizada por pesquisadores da Universidade de Loughborough, no Reino Unido, e pela organização Save Our Winters, apontou que, dos 20 locais que já sediaram os jogos desde 1924, apenas 10 teriam a “adequação climática” e os níveis naturais de neve necessários para sediar um evento em 2050.

Contradição

Esta é a principal crítica para a edição deste ano na China. Especificamente na região de Pequim, onde está acontecendo a maior parte das competições, que enfrenta há anos um severo racionamento de água

A capital chinesa tem apenas 185 metros cúbicos de água per capita por ano para 21 milhões de habitantes. Segundo os parâmetros da ONU, esse volume representa menos de um quinto do seria o ideal para a saúde humana.

Neve artificial 

Para solucionar a ausência de neve natural, criaram-se opções artificiais. 100 geradores e 300 canhões com tecnologia europeia se encarregam da missão de transformar água em flocos de neve.

No entanto, a tecnologia consome uma quantidade de água e energia absurda neste neste processo. Desde o início dos jogos já foram consumidos cerca de 222 milhões de litros – o suficiente para encher 85 piscinas olímpicas. Matérias de sites como Washington Post e Bloomberg dizem que provavelmente o número é ainda maior.

Pequim não é a primeira cidade a depender de neve fabricada para garantir a realização das Olimpíadas de Inverno. O mesmo aconteceu nas duas edições anteriores, em Sochi (Rússia) e Pyeongchang (Coreia do Sul). E as perspectivas não são animadoras para o futuro. 

“Infelizmente, os esportes de inverno vão depender cada vez mais de neve artificial, por causa da mudança climática”, afirmou Marie Sallois em entrevista recente, a diretora de sustentabilidade do Comitê Olímpico Internacional.

Impactos acima do zero

Apesar de todas as críticas e dúvidas acerca da sustentabilidade nos Jogos Olímpicos de Pequim, alguns pontos estão sendo apontados como positivos.  Principalmente em relação aos esforços na redução de combustíveis fósseis e emissão de CO2.

O evento que se intitula neutro em carbono adotou diversas medidas para gerenciar as emissões de carbono. Um dos grandes destaques é o uso de 800 ônibus movidos a hidrogênio

A pira olímpica dos Jogos foi apagada sem ter emitido nenhum grama de CO2, pois a queima é  de hidrogênio verde. A chama simbólica é abastecida por uma das maiores usinas de hidrogênio verde do mundo, instalada no resort de Zhangjiakou.

O eletrolisador que produz o hidrogênio verde (H2V) em Zhangjiakou, uma joint-venture da Shell com uma companhia local, é um dos maiores do mundo. 

Até mesmo o equipamento que fabricou a neve para o evento usou energia renovável desde o início da produção.

O evento também se propôs a compensar os níveis de carbono por meio da arborização. As emissões inevitáveis e residuais serão compensadas com o plantio de árvores numa área equivalente a 800 quilômetros quadrados. Cerca de 47 mil hectares de florestas e 33 mil áreas verdes foram plantadas em Zhangjiakou e Pequim, respectivamente.

Olimpíada Verde 

A cannabis, componente que chamou a atenção nas Olimpíadas de Tóquio, destacou-se novamente ao voltar nas Olimpíadas de Inverno na China. Dessa vez, não só com o uso medicinal, mas como matéria-prima na construção de pistas de competição. 

As fibras de cânhamo foram utilizadas para reforçar o concreto e reduzir rachaduras na construção das pistas, visto que o material foi capaz de oferecer um trilho mais uniforme e econômico, além de ser construído no menor tempo possível.  

O uso medicinal da planta também esteve presente no evento de 2022, que foi a segunda competição olímpica a ser executada depois do canabidiol ter deixado de ser considerado doping pela Agência Mundial Antidopagem (WADA).

Desde janeiro de 2018, o CBD passou a ser utilizado por atletas, principalmente pelo seu efeito analgésico, anti-inflamatório e ansiolítico, que pode beneficiar consideravelmente a recuperação física e emocional dos esportistas. 

Não só pela neve  

Mesmo com pouca transparência e acusações de greenwashing, eventos como as Olimpíadas apontam a necessidade de implementação de um novo modelo de desenvolvimento econômico, mais sustentável e circular.   

Mesmo nos jogos olímpicos, onde os atletas se transformam em “deuses”, é preciso aceitar as fraquezas do ser humano e de que somos parte de um todo cuja obrigação é respeitar e cuidar do planeta

Se até a neve, um fenômeno natural milenar, está desaparecendo, imagina o que pode acontecer com a humanidade. Não há tempo para esperar por uma solução enviada pelos deuses do Olimpo.