A brincadeira de criança que resolve problema de gente grande

A brincadeira de criança que resolve problema de gente grande

Por Marcelo De Vita Grecco*

Imagine que você tem uma loja. Esse negócio possui produtos inovadores, atrativos e de valor reconhecido por suas funcionalidades. Além disso, o estabelecimento conta com o grande trunfo de ter um público entusiasmado por novidades e ávido por alternativas que proporcionam saúde e bem-estar. 

Porém, todas suas vendas precisam ter como única forma de pagamento dinheiro vivo e toda a receita que você gera precisa ser guardada na loja ou em sua posse pessoal, pois você não pode recorrer ao sistema bancário. 

O que era sonho virou pesadelo? Parece surreal? Saiba que essa situação é enfrentada por vários lojistas de produtos à base de cannabis em diversos países.

Aprendendo com os norte-americanos 

Nos Estados Unidos, por exemplo, a falta de regulamentação federal desestimula os bancos a prestar serviços para empreendimentos ligados à cannabis, mesmo com legislação estadual em vigor regulamentando o mercado. Difícil de acreditar, mas é verdade. 

Entretanto, alguns caminhos estão surgindo e uma das soluções mais notáveis surgiu no Arizona. O estado norte-americano foi pioneiro na implementação de um sandbox regulatório para fintechs, em 2018, voltadas ao mercado da cannabis.

Esse movimento deu resultados já em 2019, quando possibilitou à startup Alta propor uma solução de pagamentos orientada para a indústria da cannabis, com base no uso de uma stablecoin indexada em paridade com o valor do dólar. A criptomoeda explorava o blockchain para oferecer segurança e praticidade a esse mercado. 

A fase de operação no sandbox permitiu o teste da plataforma de integração e de remessas dos membros. No final, o objetivo foi permitir que as pessoas paguem por bens e serviços usando o stablecoin no lugar da moeda corrente. Iniciativas de natureza inovadora como essa jamais seriam possíveis sem o sandbox.

Mas, afinal, o que é sandbox?

Sabe aquela caixa de areia que algumas escolas possuem para as crianças? Elas permitem que os pequenos brinquem, interajam e manifestem sua criatividade, sempre sob a supervisão de um adulto. 

O conceito do sandbox no mundo corporativo é exatamente o mesmo, pois permite experimentação e inovação em processo de testagem da operação real, sob a devida observação de órgãos reguladores e de outros elos do mercado.

O sistema de sandbox regulatório é muito bem-vindo em mercados inovadores e emergentes. Afinal, em alguns casos, o próprio mercado não possui dinâmica tão acelerada para se adaptar a novos modelos de negócios e esse acompanhamento é ainda mais difícil para os órgãos reguladores.

Coloquei o exemplo real da Alta, mas ressalto que o sandbox não funciona somente no âmbito do sistema financeiro. No Canadá, há centro de pesquisas para a cannabis dentro do meio acadêmico que exploram o sandbox em pesquisas colaborativas multidisciplinares, revelando novos potenciais de aplicações e seus impactos econômicos e legais. 

Essa estruturação envolve estudos em áreas como medicina, ciências agrárias e ambientais, marcos legais, educação e gestão, além de outras áreas da ciência. A dinâmica desse ciclo virtuoso flui no sentido planta-para-pessoas-para-sociedade.

Já chegou no Brasil

No Brasil, o mecanismo de sandbox é previsto no Marco Legal das Startups. Quem sabe não resida aí uma grande oportunidade para o País. Contudo, independente disso, o estado de São Paulo pode ser o protagonista de uma iniciativa inédita no Brasil.

Há algumas semanas, a Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) foi palco do lançamento da primeira frente parlamentar do Brasil em defesa da cannabis medicinal, composta por 21 deputados de 12 partidos. Incentivo todos a acompanhar os trabalhos dessa frente parlamentar e também a participar, entrando nos diálogos.

Uma das ações previstas é a aprovação de uma licença para testar o plantio da cannabis em pequena escala, voltada ao uso medicinal. A atividade seria desenvolvida em um modelo de sandbox regulatório, justamente para testagem de um projeto não contemplado em previsões legais. 

Desta forma, teríamos uma experiência controlada de plantio da cannabis para produção de medicamentos, mensurando o impacto na arrecadação de impostos e na comunidade, bem como oferecendo maior segurança jurídica às atividades.

Trata-se de uma iniciativa que pode oxigenar o mercado e dar fôlego ao Brasil para entrar de vez na corrida global em torno da nova indústria legal da cannabis. As oportunidades estão aí e o sandbox pode ter papel determinante em diversos projetos. 

O conceito tem origem em uma brincadeira de criança, mas o setor é composto por gente grande e que não brinca em serviço para que o ecossistema da cadeia produtiva da cannabis possa decolar.

*Marcelo De Vita Grecco é co-fundador e CMO da The Green Hub.