É possível “consertar” a economia de plataforma: entrevista com Rogério Nogueira

É possível “consertar” a economia de plataforma: entrevista com Rogério Nogueira

Entregadores protestam por melhores condições de trabalho e muitos restaurantes fecham as portas por conta do cenário econômico e taxas abusivas. Esta é a realidade do delivery atual, na qual todas partes se vêem submissas ao que é imposto devido a desproporção nas relações de poder que o monopólio permite.

Nesta entrevista concedida ao CIVI-CO, Rogério Nogueira (conhecido como “Rog”) contextualiza sobre o que é o modelo de economia de plataforma e como um grupo de amigos junto a voluntários, restaurantes e entregadores construíram o AppJusto, uma alternativa de delivery que é “bom para todos” .

O que é a economia de plataforma?

A economia de plataforma (em inglês, gig-economy) ou, de maneira mais informal, “economia dos bicos”, é um modelo de negócios com plataformas digitais que assumem o papel de intermediadores entre quem oferta um bem ou serviço e quem os consome. Alguns exemplos conhecidos são: AirBnb, Mercado Livre, Getninjas, Parafuso, Uber, 99 e iFood.

Atualmente estas plataformas digitais são fonte de renda para 32,4 milhões de autônomos no Brasil, sendo só 4,53 milhões nos aplicativos de transporte e entrega.

Mas o que há de errado neste modelo?

Existem dois aspectos principais que precisam ser observados, pois contribuem para a desigualdade social e são um risco para o futuro do trabalho. O primeiro é que há dois tipos de plataformas, as que tem transparência e autonomia (onde o profissional autônomo ou negócio definem suas próprias condições de trabalho e remuneração) e as que não têm (com exemplo do modelo de “motoristas de aplicativo” e “delivery”, onde as regras dos algoritmos não são transparentes e os trabalhadores não definem sua própria remuneração)

O segundo aspecto é o monopólio que algumas empresas de tecnologia conquistaram. Monopólio é algo ruim para sociedade em qualquer segmento, porque desequilibra as relações de poder e permite que quem domina imponha as condições que quiser – e é o consumidor final quem paga esta conta. 

Nosso propósito é “consertar a gig-economy”, que é exatamente ser uma alternativa que traga equilíbrio ao mercado com maiores ganhos para as partes, assim contribuímos para o ODS 8 – Trabalho decente e crescimento econômico e ODS 10 – Redução das desigualdades. Ao mesmo tempo que evitamos que a gig-economy se torne uma terra sem lei, dominada por empreendedores e fundos de investimento com mentalidade “winner takes all”, evitamos também que tal pensamento se alastre para outros segmentos. Com isso, atuamos para que a instrumentalização e desqualificação de pessoas capazes não se torne uma opção de trabalho para as gerações futuras.

E no delivery, que é onde vocês atuam, como acontece este desequilíbrio?

O brasileiro gostou da praticidade e da variedade de restaurantes com agilidade e alta capilaridade dos aplicativos, utilizando-se de um pool compartilhado de entregadores que, em grande parte, viram nessa alternativa de trabalho uma solução para uma crescente alta de desemprego desde 2016. Diante desta demanda e do enorme influxo de mão de obra disponível, as plataformas se utilizam de algoritmos para potencializar seus ganhos cobrando o máximo aceitável pelo consumidor, ao mesmo tempo que paga o mínimo possível de frete. 

Essa perversa equação, que inicialmente parecia vantajosa para consumidores que se acostumaram com cupons e a taxas de entrega baixas, atualmente se aproveita do poder conquistado a custo de jornadas de trabalho cada vez mais longas a serem cumpridas pelos “motoboys”. Os entregadores estão sob a subordinação de práticas de scores e bloqueios automáticos que tiram o direito de trabalhar e ganhar seus sustentos sem chance de defesas.

 Os restaurantes, por sua vez, que viram o delivery por aplicativos como apenas um canal de vendas adicional, acabaram por vivenciar, nessa digitalização potencializada pela pandemia, a crescente demanda dos clientes por entregas a domicílio. E com desequilíbrio nas relações de poder pela falta de alternativas, deu margem para que as plataformas definissem taxas e regras que visam exclusivamente seus interesses próprios. Algumas delas com taxas chegando a quase 30% do valor total de uma venda. 

Vivenciando uma espécie de Síndrome de Estocolmo, os restaurantes, em troca de maior visibilidade e melhor rankeamento dentro do marketplace das plataformas, são coagidos a sustentar um perverso ciclo vicioso, subsidiando fretes grátis e/ou cupons de desconto, numa política insustentável de “fidelização” dos clientes, que agora nem são mais seus.

Como o AppJusto resolve isso?

AppJusto é um negócio social com código fonte livre. Nossa missão é oferecer equilíbrio ao setor através de um modelo baseado em relações mais justas e transparentes entre todos os envolvidos. A plataforma foi construída durante a pandemia junto a restaurantes, entregadores e voluntários que tiveram total influência da definição das regras da plataforma para que fosse “bom para todos”.

Oferecemos um modelo de mercado que é equivalente a um marketplace de restaurantes com logística integrada, só que praticamos a menor comissão do mercado para restaurantes e não ficamos com absolutamente nada do valor do frete para os entregadores. As vantagens não são apenas para entregadores e restaurantes: partindo de uma taxa de apenas 7,21% (5% de comissão e 2,21% da transação por cartão), os restaurantes repassam preços menores para seus consumidores, que chegam a pagar até 30% menos nos pratos em relação ao que praticam em plataformas concorrentes.

No AppJusto, os entregadores se organizam para definir as próprias condições do serviço e não temos score. Esses profissionais são autônomos de verdade, trabalham quando podem e pegam somente os serviços que querem.

Onde vocês estão operando? Qual o estágio da SocialTech?

Lançamos o AppJusto em agosto de 2020. Já nos primeiros meses de operação decidimos ganhar maturidade e qualidade e criar a cultura de operar de maneira ágil e enxuta, antes de crescer. Precisávamos também validar que a plataforma e vantagens eram claras o suficientes para gerar um efeito rede e potencializar um crescimento sustentável.  

Também tínhamos o objetivo de medir nosso impacto social, que neste primeiro momento ficou centralizado no impacto social financeiro.

Com uma equipe e voluntários competentes e com muito propósito, tivemos êxito em todas estas validações. Organicamente, já temos 15 mil entregadores cadastrados, 750 restaurantes, 100 mil consumidores e algumas métricas de impacto para mostrar: aqui no AppJusto, os entregadores estão ganhando em média R$ 11,56 por corrida de delivery (sem gorjetas), que é muito mais do que ganham em outros aplicativos. Temos restaurantes parceiros que estão economizando até 10 mil reais em diferenças de taxas.

Ainda estamos operando só em São Paulo, mas com a força das redes sociais temos crescido e pretendemos expandir em breve.

Para ter mais estrutura e recursos para que o AppJusto se torne conhecido, abrimos uma captação por meio de um investimento coletivo, cujo aporte mínimo de entrada é de R$ 100. A campanha visou justamente possibilitar a participação de entregadores e restaurantes. Ela ficou aberta para qualquer pessoa que gostaria de investir no AppJusto e ter rentabilidade à medida que a plataforma cresce.

Então, a coletividade é o caminho?

É no que acreditamos! Tanto que convidamos entregadores, restaurantes, consumidores, associações, investidores, voluntários e nossa equipe para participar da nossa foto oficial.

Com objetivos alinhados, fomentamos um círculo virtuoso que consolida a rede de usuários da plataforma que tem se tornado muito mais unida e comprometida com o sucesso do negócio.

O AppJusto também se consolida como um hub que inspira coletividade e viabiliza que outras pessoas que querem construir um mundo melhor participem disso. Tudo soma! Seja investindo ou indicando o AppJusto para amigos ou restaurantes. Até mesmo uma curtida e compartilhamento nas redes sociais nos fortalece.

Então, se você for fazer um pedido de delivery, lembre-se de que pode fazê-lo por uma plataforma que ajuda a construir uma economia mais igualitária e sustentável.